terça-feira, 11 de maio de 2010

Não só de Pão viverá o Homem

Dt 8:1-20; Mt 4:4; Lc 4:4
Segunda-feira, cinco horas da manhã. O dia ainda está clareando quando José da Silva acorda. Ele se arruma apressado, corre até a padaria, compra cinco pães e um litro de leite. Retorna para casa, prepara o café, se alimenta e despede-se da esposa e dos filhos. Seu destino é o centro da cidade, para a labuta diária. Terá ainda que enfrentar uma hora de ônibus, quase sempre em pé, num espaço tão apertado que, para acomodar os passageiros, o motorista costuma provocar umas freadas bruscas.

Não só de pão viverá o homem... José não conseguia parar de relembrar estas palavras que ouvira na igreja. Dentro do ônibus ele pensava que compreendia estas palavras. Mal podia suportar o mau hálito do vizinho da frente e o sovaco do braço que passava por sua cara. Sua vida era atribulada. A comida dos filhos era limitada mas não passavam fome. Pão, arroz e feijão todos podiam comer.

Não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca de Deus. Como era difícil compreender estas palavras. Ele acreditava que Deus tinha falado através dos profetas e de outros mensageiros, assim dizia a Bíblia. Mas aquelas palavras não descreviam um passado remoto. Elas falavam do presente. Elas projetavam o futuro. Como podia Deus falar no presente? Será que ele era capaz de escutá-lo?

Aquela manhã transcorreu agitada. Seu trabalho não era exatamente difícil, as tarefas eram um pouco monótonas. Sequer durante o almoço podia relaxar. Saía do escritório para um pequeno bar distante duas quadras e, no caminho, ainda tinha que pagar as contas e comprar o material escolar dos filhos. Claro que ele olhava as vitrinas das lojas e muitas vezes sonhava com um televisor maior, um aparelho de som. Sonhava com seus filhos freqüentando boas escolas e uma vida com menos aflições. O tempo do almoço já terminara, era necessário voltar para o trabalho, adormecer os sonhos e, tão somente, batalhar pelo pão de cada dia.

O ônibus da volta permitiu retomar sua reflexão, sua busca para uma resposta. Seu cansaço, no entanto, era muito grande e sua mente divagou. Ele agora sonhava acordado. Sonhava com uma casa maior, dias tranqüilos e seus filhos brincando nos jardins. Sonhava com novas terras, novos mundos, cidades humanas e dias alegres. Sonhava como Abraão que partiu de Ur da Caldéia para o desconhecido. Para Abraão, só uma promessa, sua fé e sua coragem.

Um sinal de trânsito, uma pequena venda. Estas imagens atrapalharam seus sonhos. Era um alerta do final da viagem. Já era hora de descer do ônibus. O tempo passara tão rápido que ele sequer percebera, apesar de ter permanecido em pé e espremido no seu canto. Tinha que voltar à realidade. Seus sonhos foram substituídos pelas indagações do dia anterior. "Não só de pão viverá o homem..." E se apercebeu que encontrara uma resposta.

Estava nos seus sonhos. Visões do futuro, momentos que o impossível se tornava realidade. Seus desejos agitavam seu espírito. Ele era feito à semelhança de Deus. Deus devia sonhar e agir. O Espírito de Deus, sua ação, transformava os sonhos em realidade. O futuro se tornava presente.

Os sonhos eram um dom de Deus, a palavra que despertava o futuro, um presente de Deus a seus filhos. José compreendeu que Deus sempre estivera falando com ele, mas dele dependia o escutar e o agir. As palavras do dia anterior voltaram a ecoar em sua mente. Agora não havia indagações, apenas o júbilo da resposta encontrada. "Não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca de Yaweh, disso viverá o homem." (Dt 8:3)

Rio de Janeiro, maio/1995

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